Stevie Wonder, O Coelhinho

Estava mesmo mesmo a chegar ao trabalho quando reparo num coelho no chão, junto à estrada. Fiquei logo a estremecer e a pensar "isto não vai correr bem". Aproximei-me devagarinho, não queria que ele se assustasse e desatasse a correr na direção do primeiro carro que passasse e foi quando me apercebi que ele não estava a ver. Isto assim ainda era pior, ainda se metia debaixo de um carro sem dar conta. Larguei tudo o que trazia na mão, aproximei-me muito devagarinho (quase como se ele me pudesse ver) e quando achei que era o momento, agarrei-o. Esperneou um bocadinho mas foi assim que acalmou, que vi que ele estava cheio de pus nos olhos (lembrei-me logo da minha gata Chica e dos meses de horror e limpar pus que lhe saía do nariz e tapava os olhos). O aspeto era tal, que mais parecia que não tinha sequer olhos. Não pensei duas vezes e decidi levá-lo ao veterinário. Pedi ajuda a um rapaz que passava para pegar nas coisas que tinha deixado no chão e segui caminho. Na garagem, com o coelho ao colo junto a mim, a mala no ombro, o chapéu de chuva e mais um saco na mão, voltei a pedir a um desconhecido que me abrisse a mala e me tirasse a chave do carro. Não queria correr o risco de deixar escapar o animal. Mesmo cego, ainda se mexia bem. Mas haviam de ver a cara das pessoas. Olhavam para mim, olhavam para o coelho, para mim, para o coelho... Curioso (ou não), é que ninguém perguntou nada, ninguém quer saber. Enfim... Tirei o que tinha no saco, meti o bicho lá dentro, liguei para uma amiga e fui para o veterinário mais próximo. "A doutora de exóticos só chega às 10h", disseram. Expliquei que não podia levá-lo para o trabalho e assim ficou no veterinário, à espera da médica. Claro que imaginei logo o filme: precisava de arranjar uma gaiola e tinha acabado de aumentar o agregado familiar com um coelho cego. Não bastava uma cadela orelhuda e uma gata mutante, agora tinha um coelho cego.

Quando cheguei ao trabalho, fui investigar, já que nunca tive coelhos e sei muito pouco sobre eles. Mas rapidamente percebi que o prognóstico não era de todo bom. Basicamente, existem duas doenças mortais nos coelhos e tudo apontava para uma delas. Confirmei isso mais tarde quando me ligaram. O animal tem Mixomatose, uma doença transmissível por picada de mosquitos e pulgas, altamente contagiosa entre os coelhos, sem cura e com uma taxa de mortalidade perto dos 100%. Parece-me que ele ainda está na fase inicial, mas só mesmo um milagre pode salvar este bicho. No entanto, a primeira coisa que me perguntaram quando ligaram, foi se se tratava mesmo de um animal selvagem. Dada a localização onde o encontrei e a pelagem, pareceu-me que sim e posto isto, nem eu nem o hospital, podem ficar com ele. Ligaram para o centro de recuperação de animais silvestres, em Monsanto e a GNR foi buscá-lo. Não sei o fim que o bicho vai ter, acredito que não será o melhor dada a doença, mas ao menos, se se tiver de morrer, sei que não estará sozinho nem que será atropelado por um carro qualquer.

E como quando há um animal com esta doença, há de certeza mais, gravei no meu telemóvel o número da linha SOS Ambiente que me indicaram no hospital. Desconhecia por completo, mas é uma linha de atendimento 24h para onde se deve ligar sempre que haja situações deste género, com animais considerados "não domésticos".

E depois de uma aventura destas, tenho que admitir que já tinha feito um filme tão grande, que me custa agora saber que não vou voltar a ver o meu pequeno Stevie Wonder... Sim... já tinha nome.

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